Parkinsonismo induzido por manganês: Um olhar sobre causas, mecanismos e tratamentos
- Projeto Sementes do Bem
- 11 de jun.
- 5 min de leitura

O manganês é um oligoelemento vital para o desenvolvimento e funcionamento normal do cérebro. No entanto, a exposição a altas concentrações deste metal pode levar à neurotoxicidade, resultando em uma condição neurológica grave conhecida como parkinsonismo induzido por manganês. Embora compartilhe sintomas motores com a Doença de Parkinson idiopática, como tremores, rigidez e bradicinesia (lentidão de movimentos), suas causas, áreas cerebrais afetadas e tratamentos são distintos. Este texto explora as descobertas de um recente estudo de revisão sobre as etiologias e as terapias para esta condição debilitante.
Diferenças Fundamentais: Parkinsonismo por Manganês vs. Doença de Parkinson
É crucial distinguir as duas condições. A Doença de Parkinson idiopática está associada à perda de neurônios produtores de dopamina na substância negra (uma parte do mesencéfalo) e à presença de agregados proteicos anormais chamados corpos de Lewy. Em contrapartida, o parkinsonismo induzido por manganês afeta principalmente outra área dos gânglios da base, o globo pálido, e geralmente não apresenta corpos de Lewy.
A forma como a exposição ocorre também influencia no diagnóstico. A exposição aguda a altas doses de manganês tende a causar "manganismo", com foco no globo pálido. Já a exposição crônica a baixas doses, mais comum em cenários ambientais e ocupacionais, pode levar a um quadro de parkinsonismo, afetando os gânglios da base de forma mais ampla, incluindo a substância negra.
Causas e Mecanismos de Neurotoxicidade
A toxicidade do manganês é um processo complexo que envolve múltiplos fatores, desde a genética até a exposição ambiental e a desregulação de vias celulares.
1. Disfunção de Transportadores e Fatores Genéticos
A regulação dos níveis de manganês no corpo é controlada por proteínas transportadoras. Mutações genéticas nesses transportadores podem levar a um acúmulo tóxico do metal:
SLC30A10: Este é um transportador de efluxo (retira o manganês das células). Mutações autossômicas recessivas neste gene impedem a remoção do manganês, causando seu acúmulo no sangue, fígado e cérebro. Estudos em famílias com estas mutações confirmaram o desenvolvimento de sintomas neurológicos, danos hepáticos e altos níveis de manganês.
SLC39A14: Este é um transportador de influxo (transporta o manganês para dentro das células). Mutações de perda de função neste gene também levam ao acúmulo de manganês no sangue e no cérebro, pois sua atividade é crucial para a captação de manganês pelo fígado para posterior excreção biliar. Curiosamente, pacientes com mutações no SLC39A14 não apresentam disfunção hepática, ao contrário daqueles com mutações no SLC30A10.
Transportadores de Aminoácidos: O manganês também afeta outros transportadores no cérebro, como o SNAT3, GLAST e GLT-1, que são cruciais para o ciclo glutamina-glutamato nos astrócitos (células de suporte do sistema nervoso). A exposição ao manganês pode levar à sua degradação, possivelmente através da sinalização da Proteína Quinase C (PKC).
2. Exposição Ambiental e Ocupacional
A exposição crônica é uma causa significativa de parkinsonismo induzido por manganês:
Ocupacional: Trabalhadores em mineração, soldagem e fundição estão em alto risco. Estudos mostraram que a exposição cumulativa ao longo do tempo é um melhor preditor de altas concentrações de manganês nos tecidos cerebrais do que a exposição recente. O metal pode entrar no cérebro pela via nasal, como evidenciado por altas concentrações no bulbo olfatório de mineiros expostos.
Ambiental: A proximidade de fundições e a poluição do ar proveniente do tráfego foram associadas a um início mais precoce do parkinsonismo.
Fontes Incomuns: O uso de drogas caseiras como a metcatinona (efedrona), sintetizada com permanganato de potássio, levou a casos de parkinsonismo por envenenamento por manganês. Mais recentemente, a inalação de partículas de baterias de íon-lítio contendo níquel-manganês-cobalto (NMC) demonstrou causar estresse oxidativo e toxicidade sistêmica em modelos animais.
3. Estresse Oxidativo e Disfunção Mitocondrial
O manganês promove danos celulares ao gerar estresse oxidativo — um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e a capacidade do corpo de neutralizá-las.
Em estudos com camundongos, a exposição ao manganês levou a alterações no metabolismo lipídico, diminuição de enzimas antioxidantes e aumento dos níveis de malondialdeído (MDA), um marcador de dano oxidativo.
O manganês pode catalisar a oxidação de derivados da dopamina, gerando ROS e compostos neurotóxicos.
Ele causa danos mitocondriais ao prejudicar a mitofagia (o processo de limpeza de mitocôndrias danificadas) através da S-nitrosilação da proteína PINK1. Também interfere na biogênese mitocondrial e desregula vias antioxidantes dependentes de modificações epigenéticas, como a acetilação de histonas (H3K36ac).
4. Desregulação da Autofagia e Vias de Sinalização
A autofagia é o sistema de reciclagem e limpeza da célula. O manganês desregula este processo vital de várias maneiras:
Inibição da Autofagia: O manganês pode ativar a via mTOR e induzir a S-nitrosilação de proteínas como Bcl-2 e Ikkβ, o que suprime a autofagia e leva ao acúmulo de componentes celulares danificados e à morte neuronal.
Acúmulo de α-sinucleína: A exposição ao manganês aumenta a expressão da proteína α-sinucleína, que por sua vez agrava os danos mitocondriais ao interromper a mitofagia mediada por PINK1/Parkin.
Sinalização Inflamatória: O manganês ativa vias pró-inflamatórias, como a via cGAS-STING, que promove a neurodegeneração através da produção de interferons e da formação de um ciclo vicioso com a via NF-κB.
Abordagens de Tratamento
As estratégias de tratamento visam remover o excesso de manganês, proteger os neurônios restantes e aliviar os sintomas.
Tratamento Sintomático
Levodopa: Este medicamento, que é o padrão-ouro da medicina convencional para a Doença de Parkinson, geralmente não é eficaz no parkinsonismo por manganês, pois o principal local de dano não é a via dopaminérgica da substância negra. No entanto, em casos de exposição crônica e de baixa dose que afetam todo o gânglio da base, a levodopa pode oferecer algum alívio motor temporário.
Terapia de Quelação
A terapia de quelação usa agentes que se ligam a metais pesados para facilitar sua remoção do corpo.
CaNa₂EDTA (Ácido Etilenodiamino Tetra-acético): Administrado por via intravenosa, o EDTA tem se mostrado eficaz na redução dos níveis de manganês no soro e na melhoria dos sintomas clínicos, especialmente quando o tratamento é iniciado precocemente. A eficácia é menor em pacientes com longos períodos de exposição.
PAS (Ácido Para-aminosalicílico): Também se mostrou eficaz na reversão de problemas de memória e motores, bem como na restauração de enzimas antioxidantes. Geralmente, requer doses mais altas que o EDTA.
Terapias Complementares e Neuroprotetoras
Vários compostos naturais e abordagens complementares estão sendo investigados por seus efeitos neuroprotetores:
Troca Terapêutica de Plasma (TPE): Em um estudo de caso de intoxicação grave, a TPE combinada com a quelação com EDTA foi capaz de salvar a vida do paciente, reduzindo drasticamente os níveis de manganês no sangue e resolvendo os sintomas.
Compostos Naturais:
Curcumina: Este composto do açafrão-da-terra demonstrou mitigar a neurotoxicidade ao restaurar a acetilação de histonas (H3K36ac e H3K27), reativando vias antioxidantes.
Resveratrol: Presente em uvas e vinhos tintos, atua como um ativador da SIRT1, uma proteína que ajuda a reduzir a neuroinflamação e o estresse oxidativo induzidos pelo manganês.
Óleo de Gergelim: Em modelos de ratos, reduziu os níveis de MDA, restaurou os níveis de dopamina e melhorou a função motora.
Outros: Uma combinação de vinpocetina, punicalagina, niacina e vitamina E mostrou reduzir a degeneração neuronal. Alcaloides da orquídea Dendrobium nobile Lindley (DNLA) ajudaram a restaurar a mitofagia.
Conclusão e Direções Futuras
O parkinsonismo induzido por manganês é uma doença neurodegenerativa complexa com múltiplas causas e mecanismos. A pesquisa está avançando rapidamente na identificação de como a sobrecarga de manganês desregula as vias celulares, levando ao estresse oxidativo, neuroinflamação, disfunção mitocondrial e morte neuronal.
O futuro do tratamento reside em abordagens direcionadas. Em vez de apenas tratar os sintomas ou remover o metal sistemicamente, as futuras terapias poderão focar em:
Inibir proteínas específicas como a PKCδ para prevenir a morte de células dopaminérgicas.
Modular a autofagia e a mitofagia com compostos como o DNLA.
Controlar a neuroinflamação, visando as vias NF-κB e cGAS-STING.
Usar intervenções epigenéticas, como a curcumina, para restaurar as defesas antioxidantes naturais das células.
A combinação de terapias de quelação com tratamentos neuroprotetores e suplementares, como TPE e extratos naturais, representa a direção mais promissora para melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados por esta condição devastadora.
Referências:
KHINDRI, Nitish M.; MAJ, Mary C. Manganese-Induced Parkinsonism: A Review of Etiologies and Treatments. Degenerative Neurological and Neuromuscular Disease, p. 65-79, 2025.





Comentários