Ferritina Alta = Ferro Suficiente? Descubra por que isso pode ser um erro comum e perigoso
- Projeto Sementes do Bem
- 2 de ago.
- 5 min de leitura

Quando pensamos em ferro, imediatamente nos lembramos da ferritina, um marcador amplamente conhecido e frequentemente utilizado para avaliar a quantidade desse mineral no corpo humano. Porém, poucos sabem que a ferritina vai muito além de ser apenas um indicador das reservas de ferro, e que uma avaliação isolada dela pode levar a interpretações equivocadas e comprometer o sucesso de tratamentos nutricionais e clínicos. Neste texto, vamos aprofundar esse tema de forma didática, baseada em evidências, e trazer clareza sobre a real função da ferritina, seus limites diagnósticos e a importância de uma análise clínica integrada.
O que é Ferritina, Afinal?
A ferritina é uma proteína intracelular altamente conservada, responsável por armazenar ferro de forma segura dentro das células. Ela atua como um nanocápside formado por 24 subunidades proteicas, sendo capaz de armazenar até 4500 átomos de ferro em sua forma férrica (Fe³⁺). Essas subunidades dividem-se em dois tipos principais: a H-ferritina (heavy, ou pesada), que possui atividade ferroxidase — ou seja, oxida o ferro ferroso (Fe²⁺) para férrico (Fe³⁺) — e a L-ferritina (light, ou leve), cuja função é estabilizar e armazenar o ferro mineralizado no interior da cápsula.
Essa estrutura permite que a ferritina exerça não apenas o papel de armazenamento de ferro, mas também de regulação da homeostase férrica e proteção contra estresse oxidativo. Quando o ferro está livre no meio intracelular (especialmente na forma ferrosa), ele pode catalisar reações do tipo Fenton, que geram radicais livres altamente reativos. Assim, a ferritina atua como um "depósito seguro" para evitar o acúmulo de ferro livre citotóxico.
Além do ambiente intracelular, a ferritina também pode ser encontrada na circulação sanguínea — conhecida como ferritina sérica. Entretanto, a ferritina circulante possui composição predominantemente da subunidade L, e sua presença no sangue está mais associada à ativação do sistema imune inato do que à real quantidade de ferro corporal.
A Ferritina também é um marcador de Inflamação
É fundamental compreender que a ferritina é uma proteína de fase aguda. Isso significa que sua produção é estimulada em situações inflamatórias — agudas ou crônicas — por citocinas como a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α). Assim, em muitas doenças inflamatórias ou autoimunes, como lúpus, artrite reumatoide, doenças intestinais inflamatórias, câncer, obesidade, infecções virais e bacterianas (incluindo COVID-19), os níveis de ferritina sérica podem estar elevados, independentemente do estoque real de ferro no organismo.
Essa elevação inflamatória pode mascarar uma deficiência de ferro funcional, onde o ferro está presente, mas sequestrado nos estoques intracelulares — principalmente nos macrófagos — impedindo sua disponibilidade para funções essenciais, como a produção de hemoglobina. Esse quadro é conhecido como anemia da inflamação ou anemia de doença crônica.
Avaliar apenas a Ferritina pode ser um erro grave
É um erro comum considerar que ferritina alta significa excesso de ferro e que ferritina baixa confirma carência absoluta. Esse raciocínio simplista ignora os diversos fatores que influenciam os níveis de ferritina e pode resultar em diagnósticos imprecisos e condutas terapêuticas equivocadas, como evitar a suplementação de ferro em indivíduos com deficiência real por conta de uma ferritina aparentemente "normal" ou elevada.
Estudos recentes propõem o uso de marcadores combinados, como a razão ferritina/Proteína C-Reativa (PCR), ou a análise conjunta da ferritina com a saturação da transferrina. Esses parâmetros oferecem uma visão mais precisa da biodisponibilidade do ferro, especialmente em contextos inflamatórios.
As diretrizes internacionais recomendam que, em situações inflamatórias, valores de ferritina abaixo de 100 µg/L, associados à saturação de transferrina menor que 20%, indicam deficiência de ferro com boa sensibilidade e especificidade. Já em contextos sem inflamação, o ponto de corte clássico de 30 µg/L ainda é útil para diagnóstico de deficiência absoluta.
Ferritina, Ferroptose e Implicações Terapêuticas
Um campo emergente da biomedicina é a ferroptose — um tipo de morte celular regulada, induzida pela sobrecarga de ferro intracelular e acúmulo de peróxidos lipídicos. A ferritina desempenha papel central nesse processo, já que sua degradação pela via de autofagia (ferritinofagia), mediada por NCOA4, libera ferro livre no citoplasma e pode disparar essa forma de morte celular.
Esse mecanismo tem implicações em doenças neurodegenerativas, câncer, doenças renais crônicas e lesões isquêmicas. Modulações que afetam os níveis ou a degradação da ferritina (como uso de antioxidantes, reguladores epigenéticos e estratégias fitoterápicas específicas) estão sendo estudadas como alternativas terapêuticas inovadoras.
A importância de uma avaliação clínica individualizada
Nenhum marcador deve ser interpretado isoladamente. A verdadeira prática clínica de excelência exige uma abordagem integrativa e contextual. Isso inclui escutar o paciente, observar sinais clínicos, conhecer sua história, estilo de vida, alimentação, uso de medicamentos e inflamações subclínicas. A ferritina é uma peça do quebra-cabeça, mas não a imagem completa.
Ao integrar informações bioquímicas com raciocínio clínico, é possível identificar padrões metabólicos, deficiências ocultas e perfis inflamatórios silenciosos — abrindo espaço para estratégias terapêuticas mais eficazes e seguras.
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Referências:
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