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Entendendo o Carcinoma de Células Claras do Ovário: Uma Nova Perspectiva Sobre "Disposições Epigenéticas"

O carcinoma de células claras (CCC) do ovário é um tipo de câncer ovariano agressivo, conhecido por seu prognóstico reservado e resistência à quimioterapia, especialmente em estágios avançados. Um artigo de revisão recente publicado na Academia Oncology por Yamaguchi et al. (2025) explora a complexa interação de alterações genômicas, epigenéticas e metabólicas que impulsionam esta doença, propondo o conceito de "disposições epigenéticas" como um fator chave em sua carcinogênese.


Origem e Fatores de Risco: O CCC frequentemente se origina de cistos endometrióticos ( endometriose ovariana). Esses cistos contêm altos níveis de ferro, provenientes de sangramentos, que geram estresse oxidativo, levando a danos no DNA e, eventualmente, à carcinogênese. Análises genômicas identificaram mutações frequentes nos genes ARID1A e PIK3CA, que também estão presentes em células glandulares endometriais normais, sugerindo que as células cancerosas se originam do endométrio normal.


Um perfil de expressão gênica único, chamado de "assinatura OCCC", é característico deste câncer, marcado pela regulação positiva da sinalização HNF1B e genes relacionados ao estresse oxidativo. Acredita-se que esses genes sejam induzidos pelo microambiente estressante dos cistos endometrióticos.


A Paisagem Epigenética Distinta: A análise abrangente da metilação do DNA revelou que o CCC de ovário exibe um cenário epigenético distinto. Este é marcado por uma hipometilação global dos sinais transcricionais relacionados ao HNF1B, resultando em sua ativação. Funcionalmente, o CCC de ovário é caracterizado por metabolismo anaeróbico aumentado, disfunção mitocondrial e resistência à ferroptose (uma forma de morte celular dependente de ferro). Notavelmente, a supressão de HNF1B foi associada ao aumento da sensibilidade à quimioterapia, destacando seu papel na resistência a medicamentos.


Essas descobertas sugerem que o CCC de ovário se desenvolve através de uma carcinogênese epigenômica, onde o estresse oxidativo crônico em cistos endometrióticos impulsiona alterações epigenéticas que promovem a formação do tumor e a resistência terapêutica – o que os autores chamam de "disposições epigenéticas".


Significado Clínico e Desafios: O CCC de ovário representa cerca de 15% a 25% de todos os cânceres de ovário, com incidência crescente, particularmente em mulheres asiáticas. A doença é caracterizada por alta resistência intrínseca à quimioterapia. As taxas de sobrevida são piores em comparação com outros cânceres ovarianos epiteliais. Por exemplo, a sobrevida em 5 anos para o estágio I é de 95,3%, mas cai drasticamente para 30,5% no estágio III. Em contraste, o carcinoma seroso de alto grau (CSAG) apresenta taxas de sobrevida mais favoráveis nos estágios avançados. O CCC de ovário recorrente exibe forte resistência à quimioterapia baseada em platina, com taxas de resposta inferiores a 10%.


A Endometriose como Precursora: A endometriose, especialmente os cistos endometrióticos ovarianos, é considerada uma lesão precursora do CCC. Cerca de 32-63% das pacientes com CCC de ovário têm endometriose concomitante. Mulheres com endometriose têm um risco aumentado de 1,4 a 3,3 vezes de desenvolver câncer de ovário. Mutações genéticas, como as dos genes ARID1A e PIK3CA, são frequentemente compartilhadas entre o endométrio normal, a endometriose e o CCC de ovário, sugerindo uma etiologia comum e uma progressão linear.


O Microambiente Tumoral (TME): O TME desempenha um papel crucial na progressão do câncer. No CCC de ovário, o TME é caracterizado por:


  • Estresse Oxidativo Induzido por Ferro: Cistos endometrióticos contêm altos níveis de ferro livre devido a hemorragias repetidas, induzindo estresse oxidativo e danos ao DNA. A "assinatura OCCC" inclui muitos genes relacionados ao estresse oxidativo.

  • Imunidade e Inflamação: Os tumores CCC frequentemente exibem um microambiente imunossupressor, com células imunes disfuncionais, como linfócitos T reguladores (Tregs) aumentados e expressão de moléculas de checkpoint imunológico como PD-L1. Níveis elevados de citocinas inflamatórias, como IL-6, são característicos e promovem o crescimento e a sobrevivência do tumor.

  • Hipóxia: Condições de baixo oxigênio (hipóxia) são comuns e levam à superexpressão do fator induzível por hipóxia 1-alfa (HIF-1α), promovendo a sobrevivência do tumor e a angiogênese. A hipóxia também induz mudanças metabólicas e pode afetar a epigenética do câncer.

  • Transição Epitélio-Mesenquimal (EMT): A EMT, processo pelo qual células epiteliais adquirem características mesenquimais, pode aumentar a invasividade e o potencial metastático do CCC.

  • Angiogênese: O CCC é caracterizado por alta densidade vascular, indicando angiogênese significativa, que sustenta o crescimento e a metástase do tumor. Fatores como o VEGF (fator de crescimento endotelial vascular) são superexpressos.


Alterações Genéticas Chave: Além das já mencionadas ARID1A e PIK3CA, outras alterações genéticas incluem:


  • Mutações em ARID1A: Presentes em aproximadamente 50% dos casos, essas mutações em um gene supressor de tumor envolvido no remodelamento da cromatina são consideradas um evento precoce no desenvolvimento do CCC. A perda de ARID1A está associada ao aumento da dependência de glutamina e pode impactar a infiltração de células imunes.

  • Mutações em PIK3CA: Encontradas em cerca de 30-40% dos tumores, ativam a via PI3K/AKT/mTOR, crucial para o crescimento celular.

  • Mutações em KRAS: Presentes em aproximadamente 10-20% dos casos.

  • Mutações em CTNNB1 e perda de PTEN: CTNNB1 (que codifica β-catenina, não PTEN como erroneamente simplificado no resumo original do artigo) está mutado em 10-20% dos casos. PTEN é um gene supressor de tumor que regula negativamente a via PI3K/AKT, e sua perda funcional é observada em um subconjunto de CCCs.

  • Variações no Número de Cópias (CNVs): Ganhos comuns incluem regiões em 8q e 20q13.2 (contendo ZNF217, amplificado em 36-54% dos casos e associado ao crescimento tumoral). Perdas frequentes são observadas em 13q, 17p e 19p. Mutações em TP53 são relativamente infrequentes (menos de 10%).


Características Epigenéticas Além da Metilação do DNA:


  • MicroRNAs (miRNAs): miRNAs como o miR-10a são significativamente superexpressos e associados à regulação do ciclo celular e quimiorresistência. Outros miRNAs mostram potencial como biomarcadores diagnósticos ou prognósticos.

  • Modificação de Histonas: A perda da monoubiquitinação da histona H2B (H2Bub1) é um evento precoce no desenvolvimento do CCC, ocorrendo já na endometriose. Enzimas de modificação de histonas, como HDAC6, EZH2, LSD1, SMYD2 e WHSC1, estão desreguladas, especialmente em tumores com mutação em ARID1A, e representam alvos terapêuticos promissores.


Anormalidades Metabólicas: O CCC possui um perfil metabólico único:


  • Efeito Warburg Regulado por HNF1B: O fator de transcrição HNF1B é caracteristicamente superexpresso no CCC e promove o Efeito Warburg, onde as células cancerosas dependem da glicólise para energia mesmo na presença de oxigênio. Isso está associado ao aumento da captação de glicose, produção de lactato e acúmulo de glicogênio, uma marca registrada do CCC. HNF1B também ajuda a reduzir espécies reativas de oxigênio (ROS), promovendo a sobrevivência celular.

  • Disfunções Mitocondriais: A função mitocondrial é significativamente alterada. Por exemplo, a quinase mitocondrial PDK2 inibe a entrada de piruvato no ciclo de Krebs, contribuindo para a resistência à cisplatina.

  • Metabolismo da Glutamina: O CCC, especialmente com ARID1A inativado, demonstra maior dependência do metabolismo da glutamina, essencial para a produção de nucleotídeos e proliferação celular.

  • Ferroptose: Apesar da exposição ao estresse oxidativo, o CCC exibe resistência à ferroptose. As células CCC são intrinsecamente sensíveis à inibição de GPX4, uma enzima que protege contra a peroxidação lipídica. A manipulação da via da ferroptose, por exemplo, através da ativação de YAP1, surge como uma estratégia terapêutica.


"Disposição Epigenética" como um Tipo Carcinogênico: O artigo propõe que o CCC se origina em um precursor e ambiente específico (cistos endometrióticos ricos em ferro), que induz estresse oxidativo. Esse ambiente estressante leva à indução da "assinatura OCCC", que inclui muitos genes da rede HNF1B, regulados por metilação do DNA. Ocorrem mudanças metabólicas significativas, com a superexpressão de HNF1B desempenhando um papel central no Efeito Warburg e no acúmulo de glicogênio. As células CCC também desenvolvem mecanismos de sobrevivência, como a resistência à ferroptose e a redução de ROS por HNF1B. Este processo carcinogênico, impulsionado por um ambiente precursor específico que leva a alterações epigenéticas e metabólicas adaptativas, é denominado "disposição epigenética". (Veja Figura 1 no artigo original para uma representação gráfica ).


Direções Futuras e Estratégias Terapêuticas: A compreensão do cenário genômico, epigenômico e metabólico do CCC é crucial para o desenvolvimento de terapias direcionadas.


  • Inibidores de Vias de Sinalização: Dada a frequência de mutações em PIK3CA, inibidores de PI3K e AKT são opções potenciais, embora os ensaios clínicos tenham tido resultados desfavoráveis até o momento.

  • Imunoterapia: Inibidores de checkpoint imunológico estão sendo explorados para superar o TME imunossupressor. Ensaios clínicos combinando inibidores de checkpoint com bevacizumab (anti-VEGF) estão em andamento.

  • Terapias Metabólicas: Estratégias incluem a inibição de PDK2 (por exemplo, com dicloroacetato - DCA) para superar a resistência à cisplatina, e a inibição da glutaminase (por exemplo, com CB-839), especialmente em CCC com ARID1A inativado. A indução da ferroptose também é uma via promissora.


Conclusões:

A carcinogênese do CCC de ovário é caracterizada por significativas "disposições epigenéticas" que ocorrem dentro de seu TME único e desempenham um papel crucial em seu desenvolvimento, progressão, comportamento agressivo e resistência às terapias convencionais através de mudanças metabólicas. A elucidação desses mecanismos pode fornecer novos alvos terapêuticos para superar os comportamentos agressivos do CCC de ovário e avançar em direção à medicina de precisão para esta doença desafiadora.


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Referências:


Yamaguchi K, Jiang M, Miyamoto T, et al. Epigenetic dispositions in ovarian clear cell carcinoma: a nexus of genomic, epigenetic, and metabolic alterations. Academia Oncology 2025;2. https://doi.org/10.20935/AcadOnco7749 


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