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Como a Saúde Intestinal Influencia o Diabetes Tipo 2 e o Alzheimer

A ligação mecanicista entre a microbiota intestinal e seus metabólitos com o diabetes mellitus tipo 2 (DM2).
A ligação mecanicista entre a microbiota intestinal e seus metabólitos com o diabetes mellitus tipo 2 (DM2).

O diabetes tipo 2 (DM2) e a doença de Alzheimer (DA) são duas das condições de saúde mais desafiadoras do nosso tempo. Embora pareçam atuar em sistemas corporais distintos — um afetando o metabolismo e o outro, o cérebro — evidências crescentes sugerem uma ligação profunda e preocupante entre eles. Um novo artigo de revisão narrativa de Xu et al. 2025, mergulha fundo nessa conexão, revelando como um ecossistema complexo dentro de nós, a microbiota intestinal, pode ser o elo perdido que une essas duas doenças.


A pesquisa destaca a ideia emergente de que a DA poderia ser considerada uma forma de "diabetes cerebral" ou "diabetes tipo 3", devido a disfunções no uso de glicose e na sinalização de insulina no cérebro. Este artigo explora como o desequilíbrio da microbiota intestinal (disbiose) e as substâncias que ela produz (metabólitos) orquestram patologias sobrepostas, como resistência à insulina, neuroinflamação e o acúmulo de placas amilóides, que são características tanto do DM2 quanto da DA.


Os Atores Principais: Bactérias Intestinais e Seus Metabólitos

Nosso intestino abriga trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, que formam a microbiota intestinal. Esse "órgão" microbiano é fundamental para a saúde, auxiliando na nutrição, no sistema imunológico e no metabolismo. Quando a composição desse ecossistema é alterada — por fatores como dieta inadequada, por exemplo — ocorre a disbiose, que está associada a diversas doenças, incluindo DM2 e DA.


Essas bactérias produzem uma vasta gama de compostos químicos, ou metabólitos, que podem entrar na corrente sanguínea e influenciar órgãos distantes, incluindo o cérebro. A revisão se concentra em como alterações em bactérias específicas e seus metabólitos desempenham papéis tanto comuns quanto distintos no desenvolvimento do DM2 e da DA.


O Terreno Comum: Papéis Compartilhados da Microbiota no DM2 e na DA

A pesquisa revela que certas alterações na microbiota intestinal são consistentemente observadas em pacientes com ambas as doenças, sugerindo mecanismos de ação compartilhados.


Bactérias Protetoras em Declínio:

  • Produtoras de Butirato: Bactérias benéficas como Faecalibacterium e Roseburia, que produzem butirato (um ácido graxo de cadeia curta - AGCC), mostram-se diminuídas tanto no DM2 quanto na DA. O butirato é fundamental para a saúde da barreira intestinal e possui efeitos anti-inflamatórios potentes, além de promover a secreção de insulina. A sua ausência pode levar a uma barreira intestinal "permeável", permitindo que substâncias inflamatórias entrem na circulação e afetem o corpo e o cérebro.

  • Akkermansia muciniphila: Esta bactéria, conhecida por fortalecer a barreira intestinal, também se encontra reduzida em ambas as condições. Sua presença está associada à melhora da tolerância à glicose no DM2 e à redução do risco de DA.

  • Bifidobacterium e Lactobacillus: Esses gêneros de probióticos conhecidos também mostram um papel protetor duplo. No DM2, eles ajudam a regular o metabolismo da glicose e a proteger as células do pâncreas. Na DA, sua redução está ligada ao aumento da neuroinflamação, enquanto a suplementação pode aliviar déficits cognitivos.


    Bactérias Problemáticas em Ascensão:

  • Escherichia coli (E. coli): Esta bactéria, quando em excesso, desempenha um papel pró-inflamatório em ambas as doenças. No DM2, sua proliferação está associada à resistência à insulina. Na DA, ela pode produzir a toxina lipopolissacarídeo (LPS) e estimular a produção de placas amiloides, acelerando a neuroinflamação e o declínio cognitivo.

  • Prevotella copri e Bacteroides vulgatus: Estas bactérias ilustram perfeitamente a conexão. Elas podem exacerbar a resistência à insulina no DM2 através da produção de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs) e, ao mesmo tempo, promover a neuroinflamação na DA através da produção de LPS. Isso demonstra o conceito de "uma bactéria, múltiplos efeitos".


Caminhos Divergentes: Quando a Microbiota Age de Forma Diferente

Apesar dos muitos pontos em comum, o artigo também ressalta que algumas bactérias e metabólitos podem ter efeitos distintos ou até opostos em cada doença, evidenciando a complexidade dessa interação.

  • A Família Lachnospiraceae: Em um exemplo notável, certas bactérias desta família podem reduzir o risco de DM2 ao diminuir os níveis de corpos cetônicos. No entanto, outras cepas da mesma família estão geneticamente ligadas a um risco aumentado de DA.

  • Gênero Bacteroides: Enquanto certas espécies como B. vulgatus são pró-inflamatórias na DA, outra espécie, B. ovatus, pode agravar a deficiência de vitamina B12 no DM2, um papel não relatado na DA.


Desvendando os Mecanismos: Como a Conexão Acontece em Nível Molecular

O estudo vai além de identificar as bactérias e detalha as vias moleculares que conectam o intestino, o metabolismo e o cérebro.

  • A Via da Inflamação (TLR4/NF-kB): O LPS, uma toxina produzida por bactérias como E. coli, ativa a via de sinalização TLR4/NF-kB, um interruptor mestre para a inflamação. Essa ativação ocorre tanto no DM2, contribuindo para a resistência à insulina, quanto na DA, onde impulsiona a neuroinflamação no cérebro.

  • A Via da Insulina e Sobrevivência Celular (PI3K/Akt): Esta via é central para a ação da insulina. No DM2, a sua desregulação pela microbiota leva à resistência à insulina. Na DA, a mesma via está envolvida na saúde neuronal, e sua alteração pela disbiose pode contribuir para a morte de neurônios e o acúmulo da proteína Tau fosforilada.

  • A Via do Estresse Celular (PERK e TMAO): O metabólito TMAO, produzido a partir de nutrientes da dieta pela microbiota, pode causar estresse no retículo endoplasmático (RE), um compartimento vital da célula. Esse estresse, mediado pela proteína PERK, promove hiperglicemia no DM2 e danos aos neurônios na DA, afetando a função cognitiva.

  • A Via dos Ácidos Graxos de Cadeia Curta (AGCCs e GPR41/43): Os AGCCs, como o butirato, ativam receptores (GPR41/43) nas células intestinais. No DM2, isso estimula a liberação de hormônios que melhoram o controle da glicose, como o GLP-1. Na DA, essa mesma ativação pode ter efeitos neuroprotetores, reduzindo a inflamação cerebral.


Conclusão e Perspectivas Futuras: O Futuro do Tratamento

Esta revisão abrangente solidifica a microbiota intestinal como um nexo crítico na comorbidade entre o diabetes tipo 2 e a doença de Alzheimer. As alterações nas populações bacterianas e em seus metabólitos não são meros efeitos colaterais, mas sim agentes ativos que modulam vias metabólicas e inflamatórias que unem as duas patologias.


O que isso significa para o futuro?

  1. Novas Estratégias Terapêuticas: O foco pode se deslocar para terapias que modulem o microbioma, como o uso de probióticos de precisão e prebióticos (fibras que alimentam bactérias benéficas).

  2. Biomarcadores para Detecção Precoce: Metabólitos como AGCCs, LPS e TMAO poderiam ser usados como biomarcadores para identificar indivíduos em risco de desenvolver DM2 e DA, permitindo intervenções mais cedo.

  3. Abordagem Unificada: Em vez de tratar as duas doenças isoladamente, atacar a disbiose intestinal pode se tornar uma estratégia unificada para aliviar simultaneamente as patologias metabólicas e neurodegenerativas.


Em resumo, cuidar da nossa saúde intestinal pode ser uma das chaves mais importantes para proteger não apenas nosso metabolismo, mas também a saúde do nosso cérebro a longo prazo. Esta pesquisa abre portas para uma nova era de tratamentos integrados, onde a nutrição e a modulação do microbioma estarão na linha de frente da luta contra o diabetes e o Alzheimer.


Referências:

  1. XU, Guangyi et al. Alterations and mechanistic insights of gut microbiota and its metabolites in type 2 diabetes mellitus and Alzheimer's disease. iMetaOmics, p. e70020, 2025.

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